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Em Conversa Com o Diretor do Museu Nacional do Traje

Parte 2 - Entrevista a José Carlos Alvarez
Por Francisco CANDEIAS hÁ¡ 7 anos
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EntrevistasCultura

"[A moda] faz parte da nossa génese"

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LI: E numa altura em que as coisas se produzem tão depressa e que de estação para estação vemos, às vezes, diferenças tão significativas, como é que o Museu do Traje lida com isso? 

JCA: A questão que está a colocar é muito pertinente, ou seja, deveria haver uma recolha. Essa recolha vai sendo feita, mas não é sistemática. Por um lado, o museu acolhe, sobretudo, peças de coleções históricas, de famílias. Por outro, a recolha é muitas vezes feita por funcionários do museu, mas não cobre as tendências totais de um determinado ano ou período. 

 

LI: Seria impossível adquirirem uma peça representativa de cada coleção... 

JCA: Claro… seria muito complicado. 

 

LI: Acha que hoje em dia a moda é mais heterogénea do que antigamente? E acha que a tendência é que seja cada vez mais heterogénea? 

JCA: Sim. Eu penso que a tendência atual se irá manter e que não mudará muito nos próximos anos, a não ser, talvez, no que toca aos cuidados ambientais, no uso de materiais orgânicos. Aí há, de facto, uma nova tendência que se irá impor neste tipo de mercado, que, contudo, já está muito bem organizado.

 

Talvez ainda haja uma outra alteração, mas isso é uma ideia minha, que é a possibilidade que é a possibilidade de se poderem adquirir peças online. Não sei se esta aquisição online irá lentamente provocar o encerramento do comércio tradicional. Em muitos setores já o provocou, mas no segmento do têxtil e da moda ainda há nichos que prevalecem.

 

Loja Virtual Zara

Loja online da Zara

 

Não sei qual será o impacto desta possibilidade no futuro. Noutro tipo de comércio, como nos discos, por exemplo, levou ao desaparecimento quase total das discotecas. Hoje muita gente descarrega ou compra música online. Não sei o que acontecerá com a moda, mas veremos. Provavelmente não será tão drástico assim, porque as pessoas gostam de se vestir, de se ver, gostam de olhar e de experimentar.

 

LI: Portanto, ainda que de forma diferente, o conceito de moda não desaparecerá.

JCA: Não, nunca. Isso faz parte da nossa génese, da nossa essência e da nossa cultura. Da nossa e da de todas as civilizações, mesmo das mais primitivas.

 

LI: Falávamos do universo digital. O museu estabeleceu uma parceria com a Google de forma a tornar-se, também, um museu digital, não é assim?

JCA: O objetivo é ir digitalizando as coleções deste museu e de todos os museus nacionais. A parceria com a Google é extensível aos vários museus e o objetivo é que as coleções sejam digitalizadas rapidamente e com qualidade. Neste momento a Google fotografa as peças em 3 dimensões, em alta definição, e isso é importante para a preservação das peças propriamente ditas e, também, para a divulgação e para a possibilidade de abrir o museu a investigadores e interessados de todo o mundo. 

 

Visita virtual ao Museu do Traje

Imagem da visita virtual ao Museu Nacional do Traje

 

LI: Com este boom turístico, tem notado uma maior afluência de visitantes estrangeiros?

JCA: Pouco, nós estamos num espaço fantástico, numa zona privilegiada, mas temos um problema: à excelência do espaço contrapõe-se o facto de estarmos à margem da cidade. Nós estamos exatamente na periferia, confinamos já com Odivelas e isso é um problema. Outro é a escassez de transportes que existem para esta zona sendo que aquele que é o mais fácil e o mais prático é o metro, onde não há qualquer indicação para o museu. Tenho feito vários apelos à câmara, inclusive propus colocar réplicas de peças na estação que a decorariam e indicariam o museu.

 

Contudo, aumentou o número de visitantes aqui do museu, aumentou o número de visitantes do Museu do Teatro, mas não exponencialmente, como nalgumas outras zonas da cidade. É pena porque são dois museus muito diferentes dos que habitualmente são visitados. Visitar este museu é, também, visitar um palácio do seculo XVIII que está intacto, ao contrário do Museu do Teatro, que já sofreu obras porque ardeu. 

 

Fachada do Museu do Teatro

Fachada do Museu Nacional do Teatro

 

Portanto, é uma visita a um museu que permite conhecer uma residência aristocrática de verão em Lisboa, mas temos essa dificuldade de estar apartados e longe dos transportes. Muitas vezes escrevem no livro de opinião que “foi difícil chegar aqui, mas valeu a pena”. Ou seja, o comentário é agradável, mas ressalvando sempre que foi difícil chegar a esta zona. 

 

Por isso este boom, a nós, ainda não nos afetou. Por outro lado, os visitantes que aqui vêm, vêm numa perspetiva completamente diferente da dos visitantes de outros museus - vêm mesmo interessados na coleção, são visitantes diferenciados. São museus com missões diferentes. Há museus que estão mais preparados para essa massificação e há museus mais especializados, cuja missão fundamental é a preservação de uma determinada coleção, de uma determinada memória.

 

LI: Há muitas incoerências em filmes históricos?

JCA: Há, mas agora bastante menos. Efetivamente, nas grandes produções de Hollywood dos anos 60 do género Ben-Hur ou Cleopatra ,ou mesmo My Fair Lady, havia alguma falta de rigor histórico, priviligiando-se a espetacularidade, ao por em cena coisas que não correspondem à realidade, de facto, ou então demasiado estilizadas. Hoje há um rigor cada vez maior, é notório. Nos anos 50, 60 tudo era deslumbrante, mas era um exagero brutal, fruto da época. 

 

Elizabeth Taylor em Cleopatra de Joseph L. Mankiewicz (1963)

Elizabeth Taylor em Cleopatra de Joseph L. Mankiewicz (1963)

 

Deixamos o nosso agradecimento ao Sr. Dr. José Carlos Alvarez e a toda a equipa do Museu Nacional do Traje por nos terem recebido.