O Marquês convida: vinho de Carcavelos
Hoje em dia só se lucra vendendo milhões de coisas todas iguais, e baratas, ou um produto raro e endógeno, de edição limitadíssima. Como o vinho generoso de Carcavelos.
Por João Galvão
Nos dias que correm, dizem os trend-setters, o produto mais desejado, seja qual for a sua categoria, é aquele mais raro, mais original e limitado na sua edição: pode ser um carro, o móvel antigo de que não há mais reproduções, ou como é este caso, um vinho singular crescido apenas na encosta daquela praia virada a Ocidente.
O Marquês de Pombal é uma personagem real mas mágica da história de Portugal. Foi o responsável por trazer Portugal para a Idade Moderna, idealizando e concretizando uma sociedade assente numa economia regulada e controlada pela Coroa, absolutista, como quase todas as europeias suas congéneres.
Enquanto Primeiro-Ministro do rei D. José I, viu-se confrontado com um terramoto em 1755 que devastou a capital e fê-la reconstruir de novo em tempo recorde, traçada a régua e esquadro, moderna, com novas ruas largas e pavimentadas, canalizadas para o porto, o motor económico da cidade e do reino.
Tanto esmero foi sempre sendo recompensado pelo rei, que lhe foi conferindo títulos nobiliárquicos ao longo do tempo, um deles, o de Conde de Oeiras.
Com os títulos cedidos a um nobre vinham sempre terras e foi nas suas, nas de Oeiras, que o Conde daqui e Marquês de Pombal fez plantar vinha, nos meados do século XVIII. Era um político conservador, adepto do mercantilismo, filosofia que defendia mais produção nacional e menos importações e esta vinha viu ainda no seu tempo de vida o apogeu: pelas mesmas qualidades que mantem hoje em dia, o vinho de Carcavelos cedo iniciou percurso além fronteiras, como oferta real à corte de Pequim por parte do rei D. José I.
Em pouco tempo esta pequena mas importante vinha tornou-se a atividade económica mais relevante da Freguesia de Carcavelos.
Mas as coisas não correram sempre bem: constantes pragas vinhateiras, falta de apoios estatais e o maior atentado ao Carcavelos, a desenfreada urbanização da zona, decretaram a quase extinção do néctar.
Em 1979 a Câmara Municipal de Oeiras e a Estação Agronómica Nacional celebraram um protocolo visando preservar a vinha sobrevivida, uns parcos 5,5 hectares, e com ela fazer renascer um mito. As coisas correram bem e a primeira produção oficial, em 2001, traduziu-se em 3.500 litros de vinho.
A vinha extravasou os muros da Estação Agronómica e é hoje cultivada em algumas quintas do vale de Caparide, também no concelho de Cascais, e dos modestos 3.500 litros a produção disparou para os, em média, 50.000 litros anuais, só da marca Villa Oeiras, da responsabilidade da Câmara, o maior produtor atual do Carcavelos.
Tem no sobrenome VLQPRD E DOC e é doce, envelhecido, bonito, aveludado, rico e cor de topázio, da classe copinho pequeno e ocasional, como o Porto, o Madeira ou o Favaios. Mas como companhia para um jantar de rapazes e roastbeef, não há melhor!
O Villa Oeiras pode custar a partir de €17 cada garrafa com 0,75l. É mais barato mas não deixa de ter 10 anos e ter sido envelhecido em cascos de carvalho, como deve de ser. A mesma marca pode custar até €64, e por este preço existem ainda garrafas da colheita de 2004, que resultou em apenas cerca de 1000 litros. Mas na Loja da Confraria do Vinho de Carcavelos, ondo fomos saber tudo isto, dizem-nos que há quantias astronómicas que se pagam por edições raras e perdidas no tempo. Enfim, é o preço da história.
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