Igreja de São Domingos: a ruÃna feita arte
Foi tudo ao longo da história; agora a de São Domingos é perfeito cenário de filme
Por João Galvão
Viver na capital do país com as mais antigas fronteiras políticas oficiais tem destas coisas, nem tudo foi lindo, mas da desgraça nasce sempre, mais tarde ou mais cedo, a beleza redentora, nem que seja pelo fogo.
Sobreviveu a tudo, a terramotos, a pilhagens ateias, a fogos devastadores. A Igreja de São Domingos, no canto superior direito da Praça do Rossio vale mesmo a visita, mesmo que este deus não seja a sua praia. Não é o meu, mas cada vez que lá entro a imensidão triste e descoroçoada daquela arquitetura ‘abandonada’ esmaga-me.
A igreja de hoje nada tem a ver com a original, do século XIII. Várias adições e dois grandes terramotos, um no século XVI e o outro, o grande, o que ficou na história como “O” terramoto, em 1755, não deixaram nada em pé, exceto o grande altar em mármore negro desenhado pelo arquiteto favorito de D. João V, João Frederico Ludovice. A reconstrução consecutiva é de outro grande da arquitetura, Carlos Mardel, que tentou, e conseguiu, preservar o altar de Ludovice, e o replicou em longas colunas emoldurando os altares laterais.
Já no século XX, em 1959, um grande fogo destruiu o interior e a decoração rica a lembrar tempos em que do Brasil vinha ouro a rodos para revestir as talhas desta e doutras igrejas. Nenhuma imagem se salvou, nem as belas telas de Pedro Alexandrino de Carvalho, pintadas para o espaço. O fogo lavrou com tal furor que os mármores das paredes, do chão e das colunas estalaram com o calor, e é ainda assim que podem ser vistos hoje em dia. Depois de um longo período de restauro e consolidação, a tutela decidiu, num gesto moderno e inusitado, não a restaurar completamento, deixando as marcas do tempo e da má fortuna visíveis, sem maquilhagem.
Propositadamente deixada assim, funciona como uma espécie de karma cósmico: a Igreja de São Domingos tem marcas negras e não são apenas de incêndios. Daqui saíam, em angustiada procissão, os condenados pelo Santo Oficio, a Inquisição, cujo Palácio era paredes meias com a de São Domingos, e os Dominicanos, a ordem professa a este santo, eram quem melhor sabia como despachar um herege, em todos os sentidos. A procissão dos condenados era curta e terminava logo ali no Rossio, onde o povo vinha ver as fogueiras do castigo como hoje iria ao circo.
Se lhe passar em frente entre! É um super espaço para ‘estados d’alma’ e os outros estrangeiros, que já viram 300 igrejas e acham que são todas iguais, não imaginam o que lá vai dentro e o soco nos olhos e no estômago que é lá entrar.
Igreja de São Domingos
Largo de São Domingos, na Baixa, 1150-320 Lisboa
Tel: 213 428 275
Crédito foto fachada: Turismo de Lisboa
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