Vinho português 2017, será mesmo imperdÃvel?
Todos os meios de comunicação dizem que os vinhos deste ano serão excelentes. Fomos saber se é verdade e porquê
E ninguém melhor com quem falar sobre este assunto do que com quem está no terreno. Paula Fernandes tem 37 anos, é formada em Engenharia Agronómica e Mestre em Viticultura e Enologia pelo Instituto Superior de Agronomia, Lisboa.
De há alguns anos para cá é técnica responsável pelas vinhas e enóloga residente na Quinta da Boa Esperança, casa vinícola da região de Lisboa.
Esta entrevista surge a propósito de termos visto noticiado, um pouco por todo o lado, os produtores vinícolas nacionais ligarem diretamente a antecipação das vindimas (em alguns casos em mais que um mês) à qualidade do vinho que iremos encontrar à venda, com 2017 inscrito no rótulo.
Diz-nos Paula que “todo o ciclo foi mais precoce este ano, desde o abrolhamento até à maturação. Creio que o grande fator responsável pelo adiantar do ciclo da videira foi a subida das temperaturas médias durante todo o ano em conjunto com o número de horas de insolação.”
Até que ponto as vindimas antecipadas deste ano afetam a qualidade e a quantidade do vinho que delas resulta?
A antecipação das vindimas não influencia diretamente a qualidade, nem a quantidade de uva. Mas se tivermos vindimas antecipadas a probabilidade de chuvas é menor, e esta sim, tem grande influência na sanidade das uvas: as chuvas constantes acabam por potenciar o desenvolvimento de fungos e consequentemente podridão dos bagos. Quanto à quantidade, na maior parte das variedades, é inversamente proporcional à qualidade. O ano seco também teve influência na diminuição da produção, pois mais uma vez a videira, como todas as plantas, têm mecanismos internos de autorregulação e na ausência de água tendem a produzir menos.
Todas as regiões vinícolas nacionais foram afectadas da mesma forma?
Sim, a antecipação do ciclo e consequentemente a antecipação da vindima ocorreu por todo o país. A realidade que conheço melhor é a da minha região, a de Lisboa, e nesta zona as vindimas iniciaram-se cerca de 3 semanas mais cedo que o habitual, o que no nosso caso é uma vantagem, pois distancia a vindima das chuvas de Outono.
Nos outros países também houve esta antecipação da vindima?
Não estou a par de toda a realidade mundial, mas pelo que tenho lido e por troca de informações com alguns colegas a trabalhar no estrangeiro, sei que em França e Itália tiveram a maior quebra de produção das últimas décadas devido a geadas, que inviabilizaram muitas das plantas. Este fenómeno pode ocorrer devido ao abrolhamento muito precoce, ainda em alturas suscetíveis de geada. Este abrolhamento precoce pode, também, indiciar uma vindima antecipada.
Sem apelar a teorias da conspiração (ou apelando, se fizerem aqui sentido), este tipo de mudança no calendário regular pode ter a ver com as alegadas alterações climáticas que alguns dizem não existir?
Com certeza que o aquecimento global tem grande influência sobre o ciclo das plantas, sejam elas de que família forem, esse aquecimento global está bem patente no aumento da temperatura média durante todo o ano. Creio de facto que a antecipação de todo o ciclo da videira está diretamente relacionada com este aumento da temperatura média durante o ano, esta é uma planta que hiberna apenas abaixo dos 10ºC e, em Portugal temos cada vez menos dias com temperaturas médias abaixo desse limiar.
Em termos gerais, o que distingue o vinho português da sua concorrência?
Na minha opinião, são as nossas castas! Somos um país com muitas castas autóctones, daí que podemos produzir uma grande diversidade de vinhos que se adaptem a qualquer gastronomia. Somos, também um país de “blends”, ou seja mistura de castas num só vinho, com isso conseguimos produzir e oferecer aos consumidores vinhos muito equilibrados, pois podemos ir buscar aromas a castas aromáticas e misturá-las com castas mais ácidas de modo a obtermos um vinho mais harmonioso.
O que faz o selo Região Demarcada pela região? É eficaz?
Os selos emitidos por cada uma das regiões aplicam-se a vinhos com denominação IGP (Indicação Geográfica Protegida) ou DOP (Denominação de Origem Protegida). Ambas as denominações garantem ao consumidor que o vinho que estão a consumir é feito a partir de uvas que foram produzidas na respetiva região. Ou seja, é uma forma eficaz de informar o consumidor da proveniência e qualidade da matéria-prima do vinho que está a consumir.
Que países concorrem diretamente com Portugal nesta fileira?
Neste momento produz-se vinho (com melhor ou menor qualidade) em praticamente todo o mundo, os mais recentes países a entrar para os produtores vitivinícolas foram a China e a Rússia, no entanto os nossos competidores diretos são os países com maior tradição vitivinícola, como a França, Espanha, Itália.
Nos brancos temos também uma forte presença da Alemanha e da Áustria. Depois temos o Novo Mundo, que utilizam castas nativas maioritariamente de França, como a Argentina, Chile, E.U.A, Nova Zelândia, Austrália, África do Sul, com uma cultura vitivinícola muito recente, vinhos tecnologicamente muito bem feitos, mas com alguma falta de tipicidade.
É neste campo da tipicidade que Portugal tem a vantagem e a deve explorar. Obviamente que esta é a minha opinião, mas tendo em conta que não conseguimos competir pelo preço, porque somos um país pequeno e com baixa produtividade, temos que nos diferenciar pelas questões que já invoquei previamente: apostar na diferenciação dos nossos vinhos pela utilização das castas autóctones e na produção de vinhos de elevada qualidade.
Que razões aponta para esta mais ou menos súbita moda do vinho? Há feiras especializadas, revistas, programas de televisão, etc.
O vinho, apesar de possuir na sua composição moléculas que melhoram a saúde cardiovascular (os polifenóis), não é um alimento essencial à vida, é um alimento que nos dá prazer e que fomenta o convívio, o bem estar pessoal, aumentado a felicidade, essa sim é essencial à vida. Creio que seja esta a principal razão para a chamada moda do vinho, que espero eu se prolongue por muitas décadas.
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