Pastelaria Mexicana, grito maior da Modernidade portuguesa
Ótima no palato, deliciosa ao olhar: a Mexicana de Lisboa é um espaço incontornável na decoração modernista
Gostamos muito de ser visitados por estrangeiros, mas ao mesmo tempo rezamos para que os nossos sítios favoritos não sejam devorados pela sofreguidão típica que já fez descaracterizar outros grandes destinos turísticos do resto do mundo. Ou acha que ver aberrações como gigantescos paquetes, mais altos que o Palácio dos Doges, a atravessar a laguna de Veneza é daquelas coisas que só podem acontecer lá?
A gestão turística por parte da tutela é um dos assuntos que nós, os de cá, devíamos ter sempre em mente. As mesmas razões que atraem turistas agora têm que ser mantidas daqui para o futuro; o contrário implicará que deixará de haver turismo de qualidade, como aquele que se quer e de que se precisa. A alternativa é sermos um spot turístico menor, onde os estrangeiros só vêm para se verem uns aos outros e beberem cerveja barata.
A cada obra que se faz na pastelaria Mexicana os lisboetas rezam o terço ao Senhor dos Passos da Igreja da Graça (o mais bonito e sexy de todos os Senhores dos Passos) para que nada fique diferente do que era antes.
A Mexicana é um marco da Modernidade portuguesa, uma situação raríssima numa nação que engole tudo o que lhe mandam, desde quase sempre. Pelo menos desde o final da Renascença, quando o ouro do Brasil, os escravos africanos e as especiarias do Oriente ainda pesavam na balança planetária.
Os Modernos portugueses, os últimos grandes vultos relevantes da cultura nacional, iam beber café à Mexicana. E falavam e discutiam no melhor cenário para o seu efeito.
O edifício foi inaugurado em 1940, num estilo que não se comprometia com nada, e que ficou conhecido na história, mais ou menos jocosamente, como “estilo português suave”. Afinal era um país mergulhado profundamente numa ditadura política onde não convinha levantar muitas ondas.
Mas no início da década de 60, quando os espíritos europeus, de uma forma mais ou menos geral se levantaram, a Mexicana sofreu uma grande renovação por parte do grande arquiteto Jorge Ferreira Chaves. Este chamou outros grandes modernistas, com os quais talvez já bebesse antes café no espaço, como João Câmara Leme ou Mário Costa. E designers de mobiliário, como José Espinho.
A joia maior da decoração da Mexicana é um painel de azulejo tridimensional do grande mestre Querubim Lapa, a que ele chamou tão apropriadamente “Sol Mexicano”, e que faz a foto da abertura deste artigo.
Poucos anos antes de nos deixar definitivamente, o mestre deu uma entrevista a uma colega minha para uma revista de decoração onde trabalhávamos à altura. E definiu como ninguém, como eu nunca ouvi e que é tão verdade, que a arte da cerâmica é arte que passa por “fogo, paixão e ar”.
A Pastelaria Mexicana é desde 2014 um Monumento de Interesse Público, e se não for lá pelos garibaldis ou pelos mil-folhas, vá pelo menos pelo painel do mestre Querubim Lapa, que até ver, ninguém lhe cobrará por isso.
Pastelaria Mexicana
Avenida Guerra Junqueiro, 30C
1000-167 Lisboa
Das 07h30 às 22h00
Tel: 21 848 6117
Créditos das fotos: CML
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