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Gulbenkian: Do Outro Lado do Espelho

Expo Do Outro Lado do Espelho
Por JoÁ£o GALVÁƑO hÁ¡ 8 anos
Categorias :
Cultura

Uma exposição no Museu Gulbenkian onde vemos como usam os artistas os espelhos para refletir e nos fazer refletir

 

São 69 obras (até o número é um grafismo em espelho), as que compõe a mostra Do Outro Lado do Espelho, no edifício sede do Museu Calouste Gulbenkian, Galeria de Exposições Temporárias. Mais que mostrar os espelhos presentes nas obras de arte, numa larguíssima janela temporal, como refletores dos espaços representados, esta exposição aborda especialmente a ambiguidade e a fragmentação de acordo com os efeitos pretendidos, muitas vezes mais de ordem filosófica, em detrimento da representação mimética da realidade.

 

Do Outro Lado do Espelho é uma mostra dividida em 5 núcleos temáticos. Cada um deste é precedido por 3 obras introdutórias; uma escultura que funciona como um convite à visita, uma pintura que induz ao tema do núcleo e um espelho-objeto que proporciona ao visitante a ocasião para se questionar, núcleo a núcleo, com questões fundamentais da relação do ser com os espelhos.

Pormenor de "Sinfonia em branco, nº2: A menina de branco" por James Abbott McNeil Whistler em 1864

 

O primeiro núcleo abre com a quase evidente pergunta/tema “Quem Sou Eu?: O Espelho Identitário”. A interrogação sobre o que somos e quem somos, conduz-nos obrigatoriamente a um olhar no espelho. Porque só há verdade no que somos ou que reinventamos como nosso quando nos colocamos em comparação com o «outro».

 

Neste núcleo estão incluídas obras que representam situações de confronto com o espelho («Espelho de água», o mito de Narciso, o «estádio do espelho») tanto por parte dos humanos como de alguns animais.

Pormenor de "Alegoria da Prudência" por Simon Vouet em 1645

 

Sendo a Alegoria parte integrante da quase toda a Arte, faz sentido que o segundo núcleo da mostra se chame “O Espelho Alegórico”. O espelho como suporte de uma tradição alegórica de largo espectro, metáfora de vícios e virtudes, da Vaidade à Prudência, do Amor Profano e da Luxúria, mas também do tempo que passa e que conduz ao envelhecimento e à morte inevitável, tendo sempre a mulher como intérprete. 

Pormenor de "Preparando-se para o Baile", da série Jane Eyre por Paula Rego, em 2001-2002.

 

No terceiro núcleo é novamente a mulher o reflexo principal. “A Mulher em Frente ao Espelho: A Projeção do Desejo” mostra como o conceito de intimidade deriva de uma construção social que tem sofrido alterações profundas ao longo dos tempos. Enquanto na Idade Média a ideia de intimidade e de «puritanismo» eram conceitos inexistentes, sendo a toilette feminina submetida a um ritual destinado a uma audiência privilegiada, entre os séculos XVI e XVIII adquiriu contornos de uma sexualidade implícita, relacionada mais diretamente com a sedução. O banho, mais que uma questão de higiene, tornou-se fonte de prazer.

 

No século XIX, com a separação efetuada entre a esfera pública e a privada, a mulher adquiriu um novo sentido de privacidade no seu relacionamento consigo própria e com o «outro», que resultou na prioridade do «parecer» sobre o «ser».

Pormenor de "A Mão de Alice" por Eduardo Luiz em 1983

 

A arte é também o campo do embuste e do engano. No núcleo “Espelhos Que Revelam e Espelhos Que Mentem” as obras mostram como os artistas são capazes de tecer uma teia intricada de mentiras dentro dos limites das suas telas. Conseguem facilmente distorcer, apagar e manipular a realidade visível, como modo de obter um cenário específico conducente a uma determinada realidade puramente imaginada.

 

As anamorfoses, supostamente inventadas por Leonardo da Vinci e que constituíam um divertimento muito popular nos séculos XVIII e XIX são disto um bom exemplo. É relevante a sua presença nesta exposição, uma vez que estabelecem a ligação entre arte e conhecimento científico, criando a ilusão de uma realidade inexistente.

 

O uso do espelho convexo na pintura, utilizado pelos artistas desde o século XV, possibilita o acesso a realidades muito para além do campo de visão frente ao quadro. São como janelas que nos conduzem para além da pintura e nos fazem descobrir o inacessível, como no caso das pinturas famosas de Jan van Eyck e Quentin Metsys.

 

Fugindo ao artifício científico e já no domínio da pura imaginação incluímos neste núcleo várias obras inspiradas na Alice de Do Outro lado do Espelho, nomeadamente uma pintura de Eduardo Luiz e fotografias de Cecília Costa e Noé Sendas.

Pormenor de "Imagem no espelho" por Richard Hamilton em 1974

 

O último grupo é dedicado ao reflexo masculino na Arte. No núcleo “O Espelho Masculino: Autorretratos e Outras Experiências” o visitante pode constatar como o espelho vaidoso na pintura não é exclusivamente utilizado por representantes do género feminino, mas quase. Em toda a investigação levada a efeito para esta exposição encontrou-se um único caso de toilette masculina, um homem a fazer a barba. Mas encontrou-se também uma curiosa pintura de um local de toilette masculina (A Casa de Banho de Jacques-Émile Blanche de Maurice Lobre, incluída na exposição), com o ocupante ausente e uma rapariga jovem a abandonar esse espaço de intimidade. Para além da inesperada pintura de Paula Rego, com um homem vestido de saia de xadrez, recriação do Padre Amaro, herói de Eça de Queiroz.

 

Concluiu-se que a relação Homem-Espelho é feita maioritariamente nos autorretratos, e vários foram os selecionados para esta exposição. O espelho possibilita ao pintor fazer um retrato de si próprio sem recorrer à memória, segundo uma tradição que recua ao século XV, nos primórdios do Renascimento.

 

A exposição “Do Outro Lado do Espelho” tem curadoria de Maria Rosa Figueiredo com a colaboração de Leonor Nazaré, e estará aberta ao público até 5 de fevereiro.

 

Preços, local e mais info aqui.