Exposição Miguel d’Alte, um ‘pintor maldito’, na Sociedade Nacional das Belas-Artes
Maldito é na Arte o melhor carimbo. Maldito é inovação, surpresa, inconformismo e contracorrente, tudo o que a Arte deve ser. Como o é Miguel d’Alte
Por João Galvão
Há qualquer coisa na obra dos artistas que vivem intensamente uma vida curta que fascina toda a gente. Deve ser o gorar de expectativas, o final antecipado de um filme que se queria ver até ao fim e que acabaria com um “viveu feliz para sempre”.
Na mesma medida, o sair de cena no seu auge artístico faz da obra de um pintor um objeto de desejo, seja pela mística que acompanha qualquer desaparecimento prematuro, seja pela quantidade de trabalho desenvolvido mais ou menos limitada pelo tempo.
Mais ainda quando o próprio artista, como o fez Miguel d’Alte, sempre menosprezou o dito "mercado de arte" e as tentativas de manipulação e mercantilização que considerava serem feitas ao seu trabalho.
A Sociedade Nacional das Belas-Artes consagra-lhe até 30 de abril a exposição “Miguel d’Alte 1954-2007, Retrospetiva(s): Capítulo VII”, parte de um projeto que se iniciou em abril de 2016, na Casa Museu Teixeira Lopes, em Vila Nova de Gaia.
O projeto incorpora, para além das exposições que antecederam esta na Sociedade Nacional das Belas-Artes, a realização de um documentário sobre o pintor – de Bruno Laborinho a apresentar com a programação da XX Bienal de Cerveira, em agosto - e o lançamento, que acontece aqui nas Belas-Artes também, do livro “Miguel d’Alte: Palavras escritas à lua”, que reúne escritos inéditos do autor, prefaciado pelo pintor Jaime Silva e com texto introdutório de Helena Mendes Pereira, também curadora da exposição.
Este projeto generalizado "Miguel d’Alte", de que a mostra na Sociedade Nacional das Belas-Artes é apenas uma das portas, tem como objetivo lançar um novo olhar sobre a obra de um homem que ficou para a nossa história recente como “pintor maldito”, seguindo os exemplos (à época) de Caravaggio, Modigliani, Van Gogh, Munch ou do também português Santa-Rita Pintor.
Miguel d’Alte viveu para a sua arte, sempre adverso às tentações do mercado. O atelier foi sempre a sua casa e a casa o atelier, pois “a pintura e a vida não são duas coisas distintas”, como escreveu.
Expôs desde 1975, e até aos inícios da década de 1990, a sua pintura é obscura, dramática, fantástica e surreal. Em 90 a paleta torna-se clara e límpida, com amplos brancos e subtis gradação de cinzentos e azuis. Nesta fase, cobria a tela com múltiplas camadas de tinta que depois raspava tentando descobrir/cobrir riscos, cores, formas, atmosferas. “O referente situa-se cada vez mais no vazio”, escrevia Miguel em outubro de 1996.
Miguel d’Alte foi um daqueles artistas que o tempo levou demasiado cedo, quando na véspera de Natal de 2007 foi colhido por um comboio em Vila Nova de Gaia.
Perguntámos à curadora desta exposição e projeto, Helena Mendes Pereira, porque se diz dele um “pintor maldito”: “Na verdade, a expressão "Pintor Maldito" foi atribuída a Miguel d'Alte por Henrique Silva (n.1933), diretor emblemático da Bienal Internacional de Arte de Cerveira e que conviveu de perto com o Miguel, considerando-o um exemplo.
Miguel d'Alte dedicou toda a sua vida à pintura, à pesquisa e à experimentação plástica, resistindo a todas as tentativas de instrumentalização e mercantilização do seu trabalho. Escolheu sempre o mais difícil dos percursos, não negando as rupturas e perseguindo a Liberdade em que acreditava. Foi-se metendo cada vez mais no universo interior e cósmico da sua pintura, aprimorando-a de inquietação e vertigem. A vida e a morte estão em toda a obra do Miguel e "maldita" foi a sua sorte.”
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Imagens cedidas pela Curadoria
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