Olhares presentes sobre pedras do passado: esculturas na Gulbenkian
Na Gulbenkian: porque será tão fascinante para os realizadores contemporâneos a escultura clássica antiga?
Esta é a pergunta a que a exposição “Escultura em Filme - The Very Impress of the Object”, na Gulbenkian, tenta responder. Afinal, este surpreendente interesse reflete uma aparente contradição: porque razão os artistas, particularmente os que trabalham imagens em movimento, se interessam hoje pela absoluta imobilidade corporizada numa escultura clássica? Como se interpreta esta intrigante e inusitada sedução?
É relativamente fácil percebermos porque é que os primeiros fotógrafos escolheram a escultura como modelo: a sua imobilidade era a ideal para as longas exposições que a tecnologia fotográfica inicial exigia. Mais difícil é entender como é que a escultura clássica, que deixou há tanto tempo de fazer parte dos programas de ensino e que parece cada vez mais distanciada do público generalista, está presente e de forma tão notável, em obras de artistas contemporâneos, sobretudo no cinema.
A Fundação convidou sete artistas internacionais a expor os seus trabalhos, sempre na forma de filme. E da leitura minuciosa que as suas câmaras fazem de objetos antigos, sejam famosos sejam antigos, é-nos permitido um novo olhar sobre as esculturas do passado.
A Galeria de Exposições Temporárias da sede Gulbenkian, sem paredes laterais, abertas em vidro mas cobertas por vezes com estores que permitem ver lá para fora regulando ao mesmo tempo a entrada de luz, foi deixada ampla. Aqui e ali apenas vastos ecrãs e enormes máquinas de projeção, desenrolando fitas, e que são elas também parte integrante do discurso expositivo.
Na penumbra, de onde espreitam os jardins assim velados, podemos ver então as fitas dos artistas. A primeira proposta é de Fiona Tan, de 2012, em multi-suportes e vários ecrãs, realizada no John Soane’s Museum, em Londres. A artista presta tributo ao colecionador, mimando nos filmes a fina obsessão caótica de Soane. Acabam ambos por compilar inventários, sejam eles tipos de objetos, sejam tipos de media. Daí o nome da mostra, “Inventory”.
O segundo filme, “Nude” (a foto de abertura deste artigo), de Mark Lewis em 2015, retrata a peça mais famosa que se vê nesta mostra, o “Hermafrodita Adormecido” exposto no Louvre. Numa longa viagem lenta, aproximando plano ou distanciando-o, Mark circula a escultura num Louvre adormecido também ele e fora-de-horas, exsudando sensualidade e desejo em cinzas, pretos e azuis escuros.
A seguir, dividindo a galeria ao meio, Rosa Barba apresenta “The Hidden Conference, a Fractured Play”, de 2011. É um filme feito nas reservas dos Museus Capitolinos, em Roma, e apenas possível graças ao peso que Rosa tem como artista, que lhe facultou a entrada numa das reservas mais ciosas do mundo.
Depois encontramos o único espaço fechado da galeria, onde decorre o filme “Ultimate Substance” de Anja Kirschner & David Panos, uma alegoria à cunhagem de moeda. É uma fita contemporânea, mas evocando Hefesto, minas e fornalhas, onde torsos, ombros e bíceps masculinos fazem da fita quase um manifesto homoerótico da antiguidade.
A última fita é assinada por Lonnie van Brummelen & Siebnen de Haan. Chama-se “Monument to Another Man’s Fatherland: Revolt of the Giants – Reconstructed by Reproductions”, de 2008-2009.
A dupla de artistas tentou filmar o Altar de Pérgamo, exposto em Berlim, e não teve autorização para tal. Numa bela e esperada atitude artística resolveram fazê-lo filmando apenas reproduções, em foto ou em 3D, tudo aquilo a que conseguiram lançar mão. E o resultado é melhor que se o conseguissem ter feito com o original.
O som da fita desenrolando na máquina de projeção, que ocupa uns bons 10m2 de chão, é a banda sonora perfeita para o filme, e faz brilhantemente parte integral do propósito dos artistas.
Exposição “Escultura em Filme - The Very Impress of the Object”
Gulbenkian – Galeria de Exposições Temporárias
Av. De Berna, 45A, Lisboa
T: 217 823 000
Entrada livre
fotos: © Ricardo Oliveira Alves
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