Na Baixa de Lisboa, entre ela e ele o meu coração balança
São duas excelentes razões para ir à Baixa de Lisboa, e cada uma mais ébria e doce do que a outra
Por João Galvão
São os dois licores mais lisboetas que existem; a Ginjinha e o Eduardino são um casal obrigatório com quem passar algum tempo (ou muito!), se for seu desejo conhecer todo o panorama gastronómico de Lisboa. Mesmo que não goste de bebidas alcoólicas, tem que as experimentar, até porque a dose vendida é mínima, é uma espécie de shot arcaico.
Vender ginjas, um tipo de cerejas mais amargas e impossíveis de tragar de outra forma, mergulhadas em aguardente, já se fazia desde o século XIII. Mas foi a partir de finais do século XIX, diz a lenda, que um frade da Igreja de Santo António se lembrou de lhes juntar, para além da aguardente, açúcar e paus de canela.
Talvez fosse de ter consumido algumas ginjas a mais, o frade acabou por confessar a receita a um galego chamado Espinheira, proprietário de uma pequena loja licoreira na Rua das Portas de Santo Antão, a rua que sobe para lá do lado direito do Rossio.
A marca Espinheira continuou, tanto na ‘tendinha’ – designação popular para este tipo de estabelecimento – como nos rótulos das garrafas daquele licor.
Com o tempo, o comerciante galego instalou outras ‘tendinhas’ pelas redondezas, ainda em funcionamento.
A ginjinha deve ser bebida à temperatura ambiente, e a garrafa deve ser sacudida para homogeneizar o licor. Pode pedi-la ‘com’ ou ‘sem elas’, isto é, com um ou dois frutos no fundo do copinho ou sem estes. É ótima de qualquer das formas, e as pequenas ginjas, completamente bêbedas, são como deliciosos carvões no palato.
Já a ginja lisboeta tinha cativado os burgueses da cidade há muito, quando um concorrente de Espinheira, Lourenço Cima, apresentou à cidade o eduardino, outro licor intrinsecamente lisboeta. Seria certamente jogada de marketing, típica da disputa comercial pelo lábio lisboeta, mas nós preferimos a lenda: atuava nessa época, no Coliseu, um palhaço catalão ou italiano chamado Eduardo (incrivelmente parecido com o do rótulo da garrafa atual), que, fosse para relaxar antes do espetáculo fosse para descomprimir depois dele, misturava na ginjinha uma parte de anis e outras de mais licores (como um shot moderno, afinal!).
Lourenço Cima achou graça à mistura e comercializou-a. E ainda hoje meu coração balança entre ambos. O melhor é sempre beber um de cada. Ou dois.
As ‘tendinhas’ são tudo menos sítios glamorosos; pequenos, escuros, acanhados, servem apenas de desculpa para um balcão e pequenos copos. O que fazem os habituais é servirem-se, pagarem e vir para o exterior mais arejado onde o ar fino de fim de tarde nunca desaponta.
Se precisar de uma desculpa cultural para vir beber uns copos, saiba que entre a ginjinha e o eduardino existe a Igreja de São Domingos, que depois de devorada por um fogo em 1959 acabou por nunca ser totalmente restaurada. E lembra assim um cenário de Greenaway, onde entrar depois de ginjas e eduardinos é como estar num filme.
Ginjinha Sem Rival
Rua das Portas de Santo Antão, nº7
21 346 8231
Crédito foto abertura: Círculo das Lojas de Carácter e Tradição de Lisboa
Crédito foto interior: C.M.L.
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