São Vicente, a de Fora
Tenho a certeza que Greenaway nunca filmou aqui porque não sabe que existe a Igreja de São Vicente de Fora
Não sou o mais idóneo para escrever este texto; afinal nasci e cresci nesta rua, e usávamos as capelas laterais de São Vicente de Fora para brincarmos às escondidas. Tenho um amigo arquiteto (daqueles reputados e conhecidos, com obra reconhecida internacionalmente) que diz que “esta rua é rua a mais italiana de Lisboa”, e eu concordo tanto com ele. E fica cá, nem tem que ir para Roma.
São Vicente chama-se ‘de Fora’ porque na altura em que foi construída, no século XVI, ficava já para lá das muralhas da cidade. Foi edificada para receber as relíquias do santo padroeiro da cidade, num estilo que na altura passaria facilmente por vanguardista em Portugal, o Maneirismo. Foi mesmo usada como modelo para outras construções do género, que se queriam em Quinhentos modernas e ao gosto internacional. O conjunto de São Vicente de Fora é tão imponente, à italiana, que precisou do espaço extra-muros para se implementar; é esta a razão de ser "de Fora".
Sendo português e de Lisboa, desde sempre centro de decisões nacionais, o Maneirismo de São Vicente é especial e distinto dos seus congéneres; a década em que foi construído, a de quinhentos, foi generosa por demais com Portugal. Havia ouro e escravos do Brasil e de África, um mundo novo de especiarias, seda e canela trazidas do lado de lá do globo, um per capita que se fosse democrático seria mesmo assim imensíssimo.
Por isso não é de admirar a vastidão da escadaria e a imponência da fachada altíssima, ao tamanho da gula dum clero que ganhava também tanto com a glória da Expansão. No interior há um altar barroco por Ludovice, só possível com o dinheiro que as colónias permitiam, que uma coisa destas não se faz num fim-de-semana com dois trolhas.
E a coroa-lo um baldaquino do grande Machado de Castro, naquele barroco intenso em que voam vestes, cabelos e asas de anjo, tudo folheado a grosso com o ouro que jorrava do Brasil. O grandioso altar enquadra um órgão de 1765, recentemente restaurado, um dos melhores entre os seus pares europeus. De vez em quando há concertos de órgão a solo ou em parcerias valiosas, como acontecerá já a 9 de dezembro, no delicioso pré-Natal, com João Vaz, organista titular de S. Vicente de Fora, acompanhado pelo violoncelo barroco de Diana Vinagre. Às 17h00 com entrada livre.
A destacar e a não perder, o claustro em calcário que rebrilha ao sol, com arcadas de sombra onde o azul&branco dos azulejos século XVIII, narrando histórias e História, refrescam os passos.
E ao lado, a tal rua mais italiana de Lisboa. É um poema. Desculpa lá António, mas em Roma é que deve haver uma rua mais portuguesa de Itália.
Largo de São Vicente, a Alfama
1100-572 Lisboa
218 810 500
Fotos do site da C.M.L.
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