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O Madeiro: Natal rural português

Madeiros
Por JoÁ£o GALVÁƑO hÁ¡ 8 anos

Não há nada assim no resto do mundo. O madeiro é celebração de Natal e rito de passagem à idade adulta

 

Parece uma coisa saída da National Geographic. A tradição dependia, dantes, do ritual de todos os jovens mancebos, no ano anterior ao cumprimento do serviço militar obrigatório (extinto desde há muito), mais ou menos quando tinham 18 anos, subirem as serras e trazerem consigo os mais grossos troncos de carvalho ou azinho, em carroças puxadas por bois.

 

A tarefa das raparigas era embelezarem as bestas, muitas vezes espetando-lhes laranjas nos chifres. Afinal, qualquer motivo era aproveitado para sair com rapazes, e este costume era autorizado pelos pais mais protetores.

 

Os madeiros (masculino de madeiras, por isso maiores e mais combustíveis), eram depois amontoados no adro da igreja ou na praça maior (a maior parte das vezes coincidentes), e na noite de 24 de dezembro, enquanto toda a gente assistia à Missa do Galo, a missa da noite de Natal,  os mancebos davam-lhes fogo. Quero crer que, romanticamente, com meia botija de aguardente que tinham reservado para si, para o longo e divertido serão que aí vinha.

O madeiro é tradição que ainda pode encontrar  no interior alentejano e beirão nos dias de hoje. As melhores noites de madeiro são as da Beira-Baixa e as de todo o Alentejo, pela simples razão que os madeiros daqui são de azinho, carvalho ou congénere, sempre madeiras de combustão lenta e longa.

 

Há dois anos passei um Natal na Beira-Alta, numa vila da Serra da Estrela, e na manhã de 24 de dezembro, quando fui arrepiado comprar pão, vi os homens a descarregarem grossos tarolos de pinho no adro da igreja, e pensei “isto não vai acabar bem”.

 

E não acabou: ao contrário do género quercus, o pinheiro arde enquanto o diabo esfrega um olho e um bombeiro fica aflito; quando saímos da Missa do Galo a fogueira ia altíssima, e os pobres viriatos corriam de baldes na mão e credos na boca. Na manhã seguinte o que restava daria para fazer torradas, e à tarde, da pilha imponente do dia anterior, nada restava.

 

Na Beira-Baixa e nos Alentejos o madeiro dura 3, 4, 5 dias, sempre em combustão baixa mas permanente, e a sua roda é ponto de encontro para copos, petiscos e conversas, nas 24 hora do dia e da noite. É o melhor sítio para se conhecerem os autóctones e por tabelinha a terra onde se está, de alma aquecida pela quadra e pelo madeiro que marca a noite e atrai convivas, como uma estrela de Belém numa escala doméstica.

 

Se for de férias por agora, na quadra natalícia, para este interior português, pergunte onde por perto queimarão um madeiro, e não perca um dos últimos registos etnográficos legítimos nacionais.

 

 

Fotos: Câmara Municipal de Penamacor